A Vilã Quer Emagrecer o Seu Marido - Capítulo 98
Os pais de Alois morreram quando ele tinha quinze anos.
Isso aconteceu há apenas oito anos.
Oficialmente, a causa da morte foi um acidente.
Um acidente causado por energia mágica que estava fora de controle.
〇
“Camilla, você sabe que meu poder mágico é mais forte que o da maioria das pessoas, não sabe?”
Eles estavam sozinhos no escritório de Alois. Enquanto estavam sentados um de frente para o outro perto de uma lareira crepitante, Camilla respondeu a Alois.
“Sim, eu sei.”
Embora tenha dito isso, Camilla nunca viu a verdadeira extensão do poder mágico dele. O máximo que ela o viu fazer foi dissipar a ilusão de Nicole, além de fortalecer seu corpo com magia quando escaparam do subsolo em Einst.
Porém, mesmo que ela não tivesse visto por completo, o nível de seu poder era óbvio. Aqueles olhos vermelhos, antes de mais nada, indicavam esse nível a ela mais do que ela precisava saber sobre quanta energia mágica estava armazenada dentro do corpo dele.
“Eu costumava ser incapaz de controlar o poder que eu tinha em meu corpo… Não, mesmo nos dias de hoje, ainda acho difícil manter o controle adequadamente. Mas no passado, eu realmente não conseguia controlá-lo.”
“O que quer dizer com isso?”
“A maior parte do meu poder mágico está selada. Agora, só posso usar uma fração do poder do meu corpo.”
Camilla ergueu as sobrancelhas. Mesmo que o poder de Alois aparentemente tenha sido reduzido, ele ainda podia seguir as veias das pedras de mana no subsolo. Fazer uma coisa dessas exigiria um poder mágico muito forte. Em outras palavras, Alois ainda possuía uma força mágica excepcional. E se ele diz que isso é só uma “fração” de seu poder real, então do que ele realmente é capaz…?
“O tipo de energia mágica fora de controle com a qual Nicole às vezes tem problemas, eu também tenho. Muitas vezes são só pequenas coisas. Apenas uma vez meu poder realmente saiu de controle enormemente. Minha magia entrou em contato com o poder mágico de outras pessoas e isso gerou uma grande confusão.”
Alois afundou-se na cadeira, cerrando os punhos sobre os joelhos. Aquele olhar abatido parecia estar focado somente naquelas mãos fechadas. Embora seu rosto estivesse inexpressivo, o leve tremor em suas mãos traía seus sentimentos.
“Isso foi há oito anos. O dia em que meus pais morreram e o dia em que matei pessoas.”
Uma respiração profunda saiu dos pulmões de Alois. Ao fechar os punhos ainda mais apertados, ele olhou para Camilla de forma nada passional.
“Quase não tenho lembranças da minha infância. Será que esse incidente causou isso? Sempre que tento me lembrar de algo que aconteceu antes, é como se não houvesse nada a ser lembrado. Tenho certeza de que é porque uma parte de mim queria desesperadamente esquecer. Sinceramente, eu mal consigo me lembrar dos rostos dos meus pais.”
Camilla ouviu aquilo com a respiração suspensa. Alois, porém, continuava inexpressivo. Enquanto estavam sentados em frente ao fogo, seus corpos lançavam sombras escuras atrás deles. A maneira como ele falava sem demonstrar nenhuma emoção, era como se estivesse falando de algo que não tinha nada a ver com ele.
“Mas eu me lembro de algumas coisas. Os contornos da minha mãe e do meu pai, direcionando o poder mágico deles para mim… Só depois me disseram que eles estavam usando seu próprio poder para selar o meu. Mas a magia deles foi repelida pela minha e ricocheteou… Eles foram despedaçados por isso, os dois. Minha mãe e meu pai.”
Foi então que Alois franziu o cenho levemente e depois curvou sua boca com um sorriso frustrado.
“Eu matei meus pais.”
“…Mas isso foi apenas um acidente? Não havia nada que você pudesse ter feito.”
“Foi meu próprio poder que causou isso. Meu poder que tirou suas vidas. Mesmo que eu não quisesse, isso não muda o fato de que eu causei a morte dos dois.”
Essa foi a razão pela qual nenhum dos servos mais antigos se referia a Alois como “Mestre”. Para eles, o pai de Alois ainda era o dono da casa.
Por roubar deles o Mestre que amavam e respeitavam, eles nunca perdoaram Alois. Essa atitude só fez Alois se sentir ainda mais culpado..
“Mas…!”
“A última lembrança vívida que tenho é quando esse meu poder os destruiu. Porque era o meu poder. No momento em que entrou em contato com eles, foi como se eu mesmo os tivesse tocado e então eles morreram instantaneamente. Ainda me lembro da sensação nas pontas dos dedos, como se eu os tivesse rasgado com as próprias mãos.”
Os olhos de Alois se estreitaram quando ele olhou de volta para aquelas mãos fechadas. Aquele sorriso ainda estava em seu rosto, mas não tinha um pingo de calor. Ele estava falando sobre o passado, mas para ele não parecia ser algo que já aconteceu há tanto tempo. Mesmo depois de oito anos, ainda era algo que ele carregava consigo todos os dias.
“Desde então, meu poder mágico permaneceu selado. Tenho certeza de que a magia que minha mãe e meu pai morreram fundindo permanecerá comigo para sempre. Mesmo nos dias de hoje, ainda posso sentir a magia deles em meu corpo. Para que eu nunca possa esquecer.”
Embora Camilla tivesse tentado intervir, dizer que não era culpa dele, Alois não se importou em ouvir. Mesmo tendo sido apenas um acidente trágico, Alois carregou a culpa de um assassino.
Enquanto permaneciam em silêncio, a expressão de Alois não se alterou. Recostando-se ainda mais na cadeira, ele ainda olhava para as mãos, sem se mover. Mesmo que ele finalmente estivesse contando um segredo bombástico a ela, em vez de deixar Camilla entrar em seu coração, era como se ele estivesse erguendo mais muros ao seu redor.
– Ele é forte.
Camilla sabia como reagiria se estivesse no lugar de Alois. Se tivesse que passar por algo assim ela se afogaria naquele sentimento de culpa ou tentaria se justificar, dizendo “Eu não fiz nada de errado”.
Mas aquele homem gravemente sério não permitiu a si mesmo o escapismo da segunda opção. “Não havia nada que eu pudesse fazer. Foi um acidente. Eu não fiz nada de errado.” Ele não fugiria do que aconteceu dizendo coisas assim.
Ele se recusou a ser consolado, recusou-se a ser perdoado e manteve todos os outros à distância. Ele mesmo carregaria esse fardo e sofreria sozinho.
“Ah..”’, Camilla pensou consigo mesma. “Agora eu o entendo”.’
– Ele está tentando encarar as consequências.
Aquela personalidade dele, que é tão rápido em se martirizar pelo bem dos outros… Foi daí que isso veio. Tudo o que ele queria era ser um ‘bom lorde’, sem desejos ou ganância.
Tudo isso, certamente, fazia parte de algum tipo de penitência pelo que aconteceu com seus pais.
– Mas será que é isso mesmo?
Havia algo estranho na maneira como Alois confessou seu segredo.
Apesar de ter contado isso a ela, de alguma forma parecia que ele estava apenas afastando Camilla ainda mais. Ainda havia algo em seu coração que ele não queria que ela soubesse.
O que pesava em sua mente que era ainda mais terrível do que isso? Algo que ele realmente não poderia contar a ninguém?
“Camilla.”
Os pensamentos de Camilla foram interrompidos quando Alois conversou com ela. Inclinando-se para a frente na cadeira, Alois olhou para o rosto de Camilla. Camilla ficou um pouco confusa com a mudança repentina de atitude dele.
“Camilla, você quer voltar para a capital real?”
“…Que conversa é essa? Por que está falando isso tão de repente?”
Embora Camilla obviamente não tivesse a menor noção do que ele queria dizer, Alois não recuou. Ele repetiu a mesma pergunta.
“Se você pudesse voltar para casa, você voltaria?”
“Qual é o problema? Além disso, a capital real é-”
“Por favor, me responda.”
Embora Camilla tentasse descobrir o motivo de sua pergunta, Alois a pressionou com muita persuasão, esperando por uma resposta. Camilla recuou um pouco, não estando acostumada com o quão assertivo ele estava sendo.
– Voltar à capital real, isso seria…
“Não é como se eu não quisesse voltar.”
Ela tinha muitas pendências na capital. Ela não queria mais usar Alois como uma ferramenta para zombar daqueles que a desprezavam, mas também não conseguia esquecer o que Liselotte e os outros membros da nobreza fizeram com ela. Ela queria responder pessoalmente às cartas de Therese – e Camilla também tinha poucas e boas para dizer aos seus pais. Além do mais, ela precisava descobrir a verdade sobre se eles realmente haviam adotado Therese. Ela também queria ver Diana, sua empregada, bem como as crianças para quem ela cozinhava no orfanato da cidade.
Quanto ao príncipe Julian… Camilla queria vê-lo pela última vez. Assim ela poderia desistir dele sem nenhum arrependimento.
Mas era só isso.
“Mas as coisas estão diferentes de como eram antes.”
“Entendi. Então você quer mesmo voltar. É claro que você quer isso, certo? Eu entendo.”
Alois não ouviu a nuance em suas palavras. Tomando as palavras de Camilla pelo valor nominal, ele assentiu como se realmente entendesse tudo.
“Volte para casa, Camilla. Agora você pode retornar à capital real.”
“Como é?”
“Eu recebi uma carta da corte real. Devido à ocasião do casamento do príncipe Julian, o seu exílio da capital chegou ao fim.”
“O quê…?
“Para o casamento de Vossa Alteza, providenciarei uma carruagem que possa levá-la de volta à capital real. A partir daí, você está livre para fazer o que quiser. Você não precisa voltar para Mohnton. Também não precisa responder à minha proposta de casamento.”
—— O quê…?!
“O QUE VOCÊ DISSEEEE?!”
Camilla levantou-se da cadeira soltando um grito de seus lábios antes mesmo que ela pudesse pensar.
– De volta à capital? Meu exílio acabou? Você está retirando sua proposta? Não, não, isso não é importante agora!
Ela não conseguia manter seus pensamentos corretamente enquanto eles assolavam sua mente. Por onde ela deveria começar? Embora ela tenha se levantado com raiva, ela não conseguiu encontrar as palavras para se expressar.
À sua frente, a expressão calma de Alois apenas evocava imagens de uma parede impassível. Apesar da ideia de Camilla retornar à capital real, apesar de ter dito a ela que retiraria sua proposta, apesar do olhar indignado de Camilla, sua expressão permaneceu firme como aço. Ela não conseguia entender o que ele estava pensando.
Camilla, por outro lado, mal conseguia acompanhar o que estava acontecendo.
“M-Mas, e quanto ao nosso noivado? Você me disse para prometer uma resposta antes dos vinte e quatro anos!
“Você não precisa mais me responder.”
“E está tudo bem para você? Você não quer mais se casar comigo? Mesmo que essa tenha sido a razão pela qual você começou a se exercitar?! Perder peso?!”
“Estou bem com isso.”
Alois respondeu sem titubear. E se tudo isso estivesse bem? Camilla não sabia de nada.
“Você não me amou?! Está desistindo disso tudo?! Isso foi realmente tudo que você pensou sobre mim?!”
“Eu te amo, meus sentimentos não mudaram. Mas…Isso é tudo para o seu bem.”
“Pelo meu bem?!”
Enquanto Camilla fumegava de raiva, Alois permaneceu sereno. Camilla não conseguia entender como Alois conseguia permanecer tão gélido, ao mesmo tempo que não sabia de onde vinha toda aquela raiva ardente que ela sentia.
Mas ela não pôde deixar de ficar com raiva de Alois, que não mudava sua expressão por absolutamente nada.
“Eu sou um criminoso. Ser esposa de um criminoso, em uma terra criada para criminosos, não é o tipo de vida que você deveria levar.”
Tentando persuadi-la, Alois falou devagar.
“Meu poder é perigoso e não é algo que eu possa controlar para sempre. Algum dia, você pode acabar envolvida nisso.”
“Mas afinal, por que isso deveria mudar alguma coisa?!”
“Estou dizendo que não quero te machucar. Eu também não quero ver você se machucar. Mesmo que você não seja ferida por mim, não faltam pessoas nesta terra que querem te fazer mal.”
“Como eu disse, por que isso muda alguma coisa?!”
Ela não se importava com nada disso. Havia muitas pessoas que queriam machucá-la na capital real também. E até mesmo em Mohnton, havia cada vez mais pessoas começando a gostar de Camilla também. Se Alois estava preocupado com algo assim, era como se a estivesse tratando como algo delicado. Algo fraco.
Para início de conversa, Camilla nem sequer tinha um poder mágico próprio. Enfrentar a magia de Alois era impossível, não era?
“Isso não é só sobre mim! Lorde Alois, o que você realmente quer?! Será que você simplesmente não me quer mais por perto?!”
“Se você pudesse viver em algum lugar estando protegida de qualquer perigo, isso já seria o bastante para mim.”
É por isso que ele queria que Camilla voltasse para a capital real.
O sorriso triste que finalmente surgiu no rosto de Alois só irritou Camilla ainda mais. Sem falar com ninguém, sem deixar ninguém ultrapassar suas defesas, mais uma vez ele decidiu sacrificar seus próprios desejos pelo bem de outra pessoa.
Ela pensou que ele havia mudado, mas a verdadeira essência desse homem realmente não tinha sofrido nenhuma mudança. Era como se ela só o tivesse alcançado superficialmente, mas as pessoas não mudam tão facilmente. À primeira vista, ele parecia verdadeiramente sincero. Mas, na verdade, aquilo não passava de uma fachada, como uma máscara de papel machê.
Camilla cerrou os punhos. Ela nunca havia sentido uma raiva dentro dela assim antes. Embora o sangue em sua cabeça estivesse fervendo, tudo o que ela conseguia sentir no peito era um vazio frio.
Seus lábios tremiam. Então, depois de respirar fundo, sua paixão deu origem aos seus verdadeiros pensamentos.
“Não brinque comigo! Seu… Covarde patético!!”
Mas o grito de Camilla não alcançou Alois, não do jeito que ele estava agora.
Créditos
Tradução e Revisão: Sakata