A Vilã Quer Emagrecer o Seu Marido - Capítulo 102
Ela encontrou Alois no antigo depósito, ao lado do quarto dele.
Era uma sala onde ele não queria que ninguém entrasse, uma sala onde Nicole entrou certa vez e quebrou um prato importante. Por que diabos ele veio comer naquele lugar? Diante daquele retrato de família, com a moldura coberta de poeira, Alois estava sentado sozinho à mesa enquanto comia alguma coisa, estando de costas para Camilla.
Assim que entrou na sala, Camilla sentiu um arrepio na pele. A sala estava tão cheia de energia mágica desenfreada que até mesmo ela, que quase não tinha nenhum poder mágico, sabia o quão poderoso era o nível.
Mesmo tendo hesitado por um breve instante, Camilla finalmente juntou forças e entrou naquela sala.
“Lorde Alois!”
“Sinto muito, mas por favor me deixe em paz por enquanto.”
Mas, como se sua intenção fosse restringir Camilla, que reuniu coragem para enfrentá-lo, Alois nem sequer se virou para encará-la.
“Eu vou ficar bem. Só por hoje, por favor, me deixe em paz.”
Camilla franziu a testa enquanto mais uma vez ele tentava afastá-la com suas palavras. Será que esse homem sempre estará tão determinado a construir muros ao seu redor?
“Não há nada que você possa fazer por mim, Camilla. Por favor, só por hoje, volte para o seu quarto.”
“Mas como eu poderia fazer uma coisa dessas?!”
Ignorando as palavras de Alois, Camilla continuou entrando na sala com toda a coragem que juntou. As únicas coisas que puderam ser ouvidas por um breve momento foram os passos de Camilla, bem como os sons baixos e contidos de Alois comendo. Ele não parava de comer, mesmo que não devesse fazer isso.
“Lorde Alois, o que diabos você está comendo?!”
Foi o que ela gritou enquanto caminhava na direção dele.
“…Fico me perguntando: o que venho comendo esse tempo todo?”
“Lorde Alois?”
“A comida que estou comendo… O que deveria ser?”
No lugar onde estava, Camilla só conseguia ver as costas de Alois. O retrato do ex-duque e da duquesa pendurado acima de Alois parecia lançar uma sombra sobre a mesa.
“O gosto não é importante. Não consigo pensar se isso tem gosto bom ou ruim. A única coisa que posso fazer agora é mastigar e engolir. Será que tinha veneno misturado na minha comida durante anos e eu nunca descobriria? Ou será que acabaei me acostumando a gostar de veneno?”
“Lorde Alois!”
“Eu sabia que uma coisa dessas aconteceria mais cedo ou mais tarde. Nem meu pai, nem minha mãe, nem ninguém permitiria que eu mudasse. Coisas como conhecer novas pessoas ou tentar seguir em frente… Eu sabia que eram proibidas. A única coisa que posso fazer é proteger esta terra, como ela era. Alguém como eu, que desconsidera a vontade de seu pai dessa maneira, não tem valor algum aos olhos de seus servos.”
“Você ao menos tem noção do que está dizendo?!”
Ela mal conseguia entender as palavras que Alois murmurou baixinho. Mas, apesar de Camilla ter levantado a voz para ele, Alois continuou falando.
“Este prato é meu arrependimento, a vontade de meus pais e também… O seguro de vida deles. Por que ainda estou vivo? Não entendo…”
Algo na sala começou a se agitar… Seria a poeira? A energia mágica na sala começou a estalar violentamente. Enquanto continuava falando, a voz de Alois também começou a tremer.
“Só por que eu não consegui engolir isso? Só porque eu cuspi tudo? E até vomitei? Meu pai e minha mãe nunca me permitiriam fazer algo assim… Mas, quando vi aquela flor, por algum motivo pensei que não queria morrer…”
“Lorde Alois!”
As palavras não tinham sentido agora. Atrás de Alois, Camilla agarrou seus ombros com toda a firmeza possível.
Alois, que até agora comia elegantemente com garfo e faca, finalmente os colocou na mesa. Ela não os ouviu cair na mesa. Ela também fez o possível para ignorar a dor ardente da energia mágica que percorria suas mãos enquanto tocava Alois.
“Por favor, controle-se agora mesmo, Lorde Alois!”
“Mas eu me controlei, Camilla. Eu sempre fiz isso.”
Alois se virou para encará-la, jogando uma de suas mãos como se a força que Camilla estava usando para agarrar seus ombros não fosse nada.
“Sempre fiz o meu melhor para ser um bom filho. E eu estava sendo, até conhecer você.”
Ele comeu todos os pratos que lhe foram servidos exatamente como seus pais queriam e ganhou peso exatamente como seus pais esperavam. Ele comeu um prato atrás do outro, mesmo eles podendo conter qualquer quantidade de veneno – e mesmo assim ele estava pronto para morrer a qualquer momento.
Alois nunca reclamou e sempre se esforçou para atender às expectativas dos outros. Não foi porque ele não queria morrer. Mas, em vez disso, porque queria ser um “bom filho” para os pais.
E mesmo assim…
“Mas papai não vai me perdoar agora. Mamãe também não vai me dirigir a palavra. A pessoa que me envenenou estava agindo como o braço-direito do meu pai. Isso significa que fui um menino mau, Camilla…”
Alois olhou para Camilla. Seu rosto estava totalmente diferente daquela expressão moderada que ele costumava apresentar.
Ele estava fazendo uma careta triste, com os olhos inchados e vermelhos.
Alois parecia delicado e vulnerável, como se fosse quebrar com um simples empurrão. Aquele rosto dele que parecia à beira das lágrimas… Era o rosto de um menino.
“O papai e a mamãe… Eles estão sempre observando. Eles sabem o que eu fiz com eles. Eles sabem que eu deveria ter morrido no lugar deles… Eles sabem que com minhas próprias mãos, eu mesmo os matei!”
Alois de repente agarrou o braço de Camilla que ainda segurava seu ombro. Ele parecia totalmente desesperado quando agarrou seu braço esguio dela com as duas mãos.
“Eu tenho que ser um bom lorde! Um bom filho! Pois, do contrário, a única coisa que posso fazer é morrer! Ainda posso senti-los me amaldiçoando, até mesmo nesse exato momento!”
Seu poder mágico começou a girar visivelmente ao seu redor. Um dos velhos vasos da sala quebrou, feito em pedaços por um violento ataque de energia mágica. Mas Camilla continuou olhando diretamente para Alois, ignorando o som distante.
– Ele é mesmo um bom menino.
Camilla se lembrou da impressão que teve de Alois repetidas vezes à medida que o conhecia melhor.
Em vez de ser um bom homem, ou mesmo uma boa pessoa, ele a lembrava de um “bom menino”. E agora ela enfim entendia o motivo disso.
Alois ainda era como uma criança. Ele ainda era só um menino que permanecia vinculado à vontade de seus pais, sem permissão para realizar suas próprias vontades. Ele ainda tinha medo dos pais e fazia de tudo para continuar sendo aprovado por eles, sem fazer nada por si mesmo. Era como se para esta criança, que não sabia ser egoísta, o próprio tempo tivesse parado.
Essa era a verdadeira natureza do homem conhecido como Alois Montchat. A verdade que estava enterrada em seu coração, além de sua aparência mansa. Frágil e vulnerável, por isso mantinha todos à distância, com medo de que o pouco que tinha quebrasse ao menor toque.
Talvez Alois também estivesse ciente do quão perturbado era.
Ele deve ter sempre sido inteligente, mesmo na infância. Essa inteligência foi a razão pela qual ele não falhou. Essa inteligência também foi a razão pela qual ele assumiu esse fardo, porque se iludiu pensando que poderia e deveria fazer isso.
“Eu queria mudar.”
Alois ainda segurava o braço de Camilla enquanto olhava para ela.
“Eu estava com medo da mudança, mas pensei que se você estivesse comigo eu realmente conseguiria. Mas isso é demais. Estou muito assustado. Estou com medo, não quero ser traído de novo!”
“…Traído?”
“Eu nunca poderei me livrar do meu pai e da minha mãe. Sempre posso senti-los ali… Tudo o que vejo são pedaços de lembranças, e a maioria delas são amargas, mas às vezes vejo o sorriso da minha mãe… Se as únicas lembranças que eu tinha fossem dolorosas, então isso não seria tão difícil, mas esses vislumbres que vejo são… Eles podem ter realmente me amado!”
Quando seus pais morreram, Alois sentiu inadvertidamente uma inconfundível sensação de alívio. Mas essa sensação de alívio por si só se transformou em um fardo de culpa atormentada. Aquelas lembranças vagas e fugazes do sorriso gentil de uma mãe, cujo rosto ele nem conseguia mais lembrar, eram como um veneno para Alois. Como ele poderia confundir o sorriso de sua mãe com o de uma pessoa que ele sabia que estava aliviado por ter visto morrer?
Todas as vezes que Alois tinha esperanças, estas terminavam sendo traídas. Mas ainda assim, ele continuava esperando. Como uma criança, esperando pela mãe.
“O que são essas memórias? Tenho certeza que meus pais nunca me amaram… Então, por que tenho lembranças assim? De onde vêm essas memórias?”
Alois mergulhou numa confusão cega com aquelas memórias fragmentadas. Nesse sentido também, ele não conseguia seguir em frente. Como uma criança perdida, vagando sozinha pelo pântano escuro, enquanto a lama lentamente se acumulava em suas pernas.
“…Por favor, me ajude.”
Alois murmurou tão baixo que foi quase um sussurro. À medida que as emoções de Alois começaram a se contorcer de medo, a magia no ar brilhou e balançou. Ele estava tremendo. O forte aperto que ele tinha no braço de Camilla antes havia se tornado fraco.
“Você tem que me ajudar, Camilla. Por favor, por favor, me ajude…”
Como uma criança agarrada aos pais, Alois chorou muito. As lágrimas finalmente começaram a se formar nos olhos daquela criança, que as conteve todo esse tempo. Elas começaram a se acumular naqueles olhos vermelhos, deslizando lentamente por suas bochechas.
“Eu quero mudar. Não quero mais ter medo dos meus pais…”
As lágrimas escorriam até o queixo. Então, de repente, ele começou a segurar com força o braço de Camilla, que sentiu isso machucá-la.
“Eu tenho que sair daqui. Eu quero deixar isso pra trás. Isso é tudo que eu quero, mas… Não sou forte o suficiente…!”
O desejo de mudança de Alois não era algo permitido nem por seus pais e nem pelo povo daquela terra. Mesmo que o envenenassem, ele teria que permanecer por lá, como de costume. Se ele mudasse, acabaria morto.
Mas, mesmo assim, ele não conseguiu evitar. Alois realmente queria mudar. Ele queria o poder para superar esse medo.
“Camilla, por favor, você tem que me tirar daqui. Eu não posso mais ficar aqui, então…”
‘Por favor’, a palavra nunca saiu de sua boca, engolida pelo repentino som seco que ecoou por aquela sala quando algo duro bateu em sua bochecha.
Alois lentamente tirou as mãos de Camilla e segurou sua bochecha. O que era aquela dor? Sua pele estava começando a ficar vermelha.
“Não sou a sua mãe.”
Por mais que a bochecha de Alois doesse, a mão de Camilla também doía.
Essa foi a primeira vez que Camilla bateu em alguém com raiva e até por isso ela não esperava que a palma da mão doesse tanto.
Foi por causa da dor? Ou simplesmente pelo choque? De qualquer forma, a energia mágica rodopiante tornou-se ainda mais violenta do que antes.
O prato na mesa quebrou com o estrondo. Mesmo que os pedaços irregulares cortassem sua pele enquanto voavam, Camilla não parou.
“Eu não vou te mimar. E também não posso simplesmente salvá-lo. Lorde Alois, quantos anos você tem agora?”
Alois olhou silenciosamente para Camilla. Ele parecia uma criança que havia sido agredida pela própria mãe.
“Você fará vinte e quatro anos em breve. Além disso, já se passaram quase nove anos desde que seus pais faleceram. Você é um ótimo adulto. Quem tem o direito de derrubá-lo?”
No lugar de uma voz, a magia que cercava Alois expressava sua emoção. Descontrolado, derrubou enfeites e livros das prateleiras e até deixou cortes na pele de Camilla. Estalando no ar sem cessar, o som da magia violenta era constante.
Parecia que até Alois estava assustado com aquele turbilhão. Talvez isso o tenha lembrado da época em que seus pais morreram.
“Ninguém tem o direito de te derrubar se você realmente quiser mudar. Mas não posso apenas elogiá-lo ou confortá-lo porque me pediu. Não adianta esperar algo assim de mim. Não sou sua mãe e também não quero ser sua mãe.”
“…Camilla.”
“O sofrimento é algo com que você tem que lidar sozinho e também será preciso que se salve por conta própria. Você também precisa conhecer seus próprios limites. Tem que tomar uma decisão sozinho se as coisas foram longe demais. Porque é isso que um adulto faz!”
“Mas eu…”
“Se você quer mudança, comece mudando a si mesmo. Quer perder peso?! Então limite a quantidade de comida que degusta sozinho! O exercício também é algo que você deve fazer porque também deseja. Você não é mais uma criança!”
Ao dizer isso, Camilla bateu nas bochechas de Alois entre as mãos. Então, ela beijou e esticou o rosto dele com os dedos. Porque ela sentia que se soltasse agora, ele não manteria os olhos nela.
“Eu não vou te mimar e não vou simplesmente dizer o que você quer ouvir! Às vezes, posso até dizer coisas que você prefere não ouvir! Mas, se você quiser conversar com alguém, não me importo de ouvir! Não guarde tudo pra você, como se não tivesse ninguém ao seu redor que se importasse!”
Mesmo que não fosse Camilla, Günter ou Klaus sempre ouviriam Alois se ele precisasse de alguém para conversar. Se houvesse um problema, eles poderiam se unir para encontrar uma solução.
Mesmo assim, Alois sempre recusava apoio quando as pessoas estendiam as mãos para ele. Por seu medo, por sua culpa pelo passado e pelas palavras vinculativas de seus pais, Alois sempre costumava manter as pessoas afastadas.
Mas, se ele realmente parasse para olhar, ele entenderia. Os pais de Alois não estavam mais aqui. Em vez disso, havia todo tipo de pessoas que olhavam em sua direção. Pessoas que confiavam em Alois, porque ele conquistou essa confiança.
“Camilla…”
Alois de repente estendeu sua mão para Camilla outra vez. Ao fazer isso, as lágrimas começaram a brotar de seus olhos novamente. Ele tentou manter os olhos afastados, mas eles transbordaram desesperadamente do mesmo jeito. Mas Alois respirou fundo, engolindo o soluço em sua garganta.
“Eu quero mudar.”
Alois mordeu o lábio e continuou falando, com a voz cansada e suave.
“Não posso deixar as coisas continuarem como estão. Quero mudar. Quero mudar, Camilla.”
O braço de Alois passou por trás das costas de Camilla, segurando-a com força. Ela não percebeu que Alois a puxou para um abraço antes que fosse tarde demais.
“O-o que você está…?”
Mesmo que seus olhos de repente se arregalassem de surpresa e ela tentasse escapar dele, Alois não a deixou ir embora. O rosto marcado pelas lágrimas de Alois estava tão perto.
Nove anos… Ou, talvez, até mais que isso. Essas foram as lágrimas que Alois guardou durante todo esse tempo.
“Camilla…”
Alois fechou os olhos com força. Ela podia ver as lágrimas brilhando naqueles cílios prateados. Camilla não conseguiu dizer uma palavra sequer, pois estava paralisada por ele, que agora só chorava em silêncio.
Camilla continuou olhando para ele sem dizer absolutamente nada. Ela esqueceu seu abraço repentino e apenas continuou olhando para ele.
Aquelas lágrimas que transformavam um menino em homem refletiam sutilmente a luz do único castiçal aceso na sala. Os reflexos bruxuleantes que corriam por sua bochecha pareciam ter sido acesos.
“Camilla, por favor, fique ao meu lado. Por favor, não volte para a capital. Existem todos os tipos de perigos ao meu redor. E esta terra em si não é segura. Há tantas coisas que podem te machucar. Mas…”
A voz de Alois estava fraca, mas suas palavras eram objetivas.
“Eu quero que você fique aqui, ao meu lado. Quero mudar, com você ao meu lado…!”
O poder mágico na sala convergiu de volta para seu mestre antes que ela percebesse.
Tudo o que sobrou foram as ruínas das relíquias que o quarto guardava.
Atrás de Alois, ela ouviu algo cair de um lugar alto.
Mas a única coisa que Camilla notou foi o poder dos braços que a seguravam.
Créditos
Tradução e Revisão: Sakata